quarta-feira, 7 de julho de 2010

NARRATIVA NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

Antônio Carlos Tomás Fialho Magalhães


Embora, o foco narrativo seja, em sua maioria, analisado nas estruturas em prosa, encontramos narrativas em diversas músicas da MPB (Música Popular Brasileira). Nesse sentido, de autor, o compositor/poeta passa a narrador, ao criar uma obra literária em versos. A literatura como arte se expande em horizontes amplos e com base na maturidade cognitiva o ser humano idealiza e alcança sua mensagem desvendando o construto semiótico que a obra literatura propõe. Por intermédio dela, nossa consciência flui em linguagens interiores e exteriores, enriquecendo as ações e práticas linguajeiras.

Ao elaborar, ler, interpretar uma poesia, nos colocamos à mercê de uma atividade prazerosa e ao mesmo tempo especializada do idioma, na qual o ritmo e a harmonia se fundem construindo sentidos por meio de uma estrutura própria. Diante da música temos ainda o interpretar do cantor e coro, os arranjos musicais que integram o gênero e o caracteriza, como diferente do teatro, da prosa, sem se distanciar, entretanto, do literário.

A presença da literatura na música se faz sentir pela própria arte na qual se articulam uma e outra. Como lembra Proença Filho (1990, p.7): “os versos remetem a uma realidade dos homens e do mundo, mas muito mais profunda do que a realidade imediatamente perceptível e traduzida no discurso comum das pessoas.” Nessa perspectiva, existe uma aproximação entre a dimensão real e o momentum artístico, que permite alcançar a significação que as palavras exercem na visão semiótica da poesia.

Existe um feixe de obras literárias, principalmente o teatro, que trazem em seu texto, músicas ali inseridas, muitas das quais são extraídas da cultura popular brasileira. Nisso reside uma das preocupações da música ao lidar com as circunstâncias do cotidiano: explorar o instrumental melódico vinculado a um universo lingüístico vasto e rico que propicia leituras e releituras.

Como texto, e possuindo um discurso próprio, a música se vincula a uma representação de diversas realidades em infinitas combinações, tanto que são várias as canções que abordam o amor, com matizes, temáticas e arranjos textuais completamente diferentes. Pode-se dizer que a música tem ressonância no ser que a aprecia, despertando-lhe emoções, recordações e mesmo revoltas e rebeldia até então latentes e quiçá ainda não vividas.

Quando se utiliza a música como gênero literário, encontramos em sua versatilidade versos narrativos e como conseqüência um foco narrativo, ora onisciente, ora testemunha, ora protagonista. A beleza do ritmo e harmonia se fundem em melodia impregnada por signos e/ou símbolos lingüísticos, e então surgem as canções, as baladas, os sambas e outros gêneros do discurso musical. Ao mesmo tempo quem está diante de uma partitura de música, está na presença de uma manifestação literária. Percebe-se que as tipologias textuais, abordadas na Lingüística, estão presentes nas poesias e nas letras constituintes das diversas canções do acervo da música mundial.

Na apreciação de uma música, sem dissecar seus sentidos e sua beleza artística, devemos focar na recepção e interpretação do interlocutor com o qual ela dialoga. Como obra literária, as canções são passíveis de encerrar narrativas e, portanto, possuidoras de um foco narrativo peculiar, como nos contos e mini contos. Por conter cultura, arte e compromissos sociais, nesta reflexão, mais uma vez nos serviremos da música para resgatar, enaltecer a criatividade e inteligência do povo brasileiro. Apesar de os jovens se distanciarem cada vez mais da leitura, necessário se faz desmistificar a literatura e passar a estudar também as tipologias textuais presentes nas canções e nas poesias.

Os educadores devem procurar trabalhar a cultura brasileira em todas as suas dimensões, com o objetivo de manter uma tradição, um povo, uma nação. Vislumbra-se, atualmente, um ensino fundado nos gêneros do discurso, inclusive, em músicas extraídas do contexto popular brasileiro, na tentativa de resgatar o valor do texto e ampliar sua circulação e interesse entre a juventude e a sociedade brasileira.

Ao se tratar do valor real e social da música, enquanto veículo de informação, podem-se destacar as manifestações artísticas que visaram combater o militarismo e as desigualdades sociais de nosso país. Para tanto, basta se reportar à história do Brasil dos anos 70, na qual as atividades musicais desdobravam-se em discurso político de esquerda, e não raro as obras de Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, eram censuradas por serem consideradas atos subversivos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário